domingo, 30 de novembro de 2008

BIOÉTICA A PARTIR DOS POBRES

O interesse pela bioética constitui um fenômeno que, sem dúvida, pode considerar-se um dos mais significativos, no horizonte da cultura contemporânea. Nasceu como formulação terminológica em 1971, com Potter, quando publica o volume Bioethics to the future, nascendo assim em Nova Iorque o primeiro centro, o The Hastings Center.

Faz parte do contexto dos países de primeiro mundo a preocupação com o controle social da pesquisa com seres humanos. Três fatos impulsionaram a ética principalista como paradigma à atuação científica, são eles: 1) em 1963 no Hospital Israelita de doenças crônicas, em Nova Iorque, foram injetadas células cancerosas vivas em idosos doentes; 2) Entre 1950 a 1970, no hospital estatal de Willowbrook (NY), injetaram vírus de hepatite em crianças retardadas mentais e 3) desde os anos 30, mas divulgado apenas em 1972, no caso de Tukesgee study, no Alabama, 400 negros sifilíticos foram deixados sem tratamento para a realização de uma pesquisa da história natural da doença. A avaliação desses casos ficou conhecida como Relatório Belmont.

Pensar a bioética a partir da realidade e princípios adotados nos EUA e nos países da Europa é limitar seu campo de atuação à questão clínica e, como lembra Christian de Barchifontaine, na América Latina, quiçá no Brasil, “a bioética tem um encontro obrigatório com a pobreza e a exclusão social”. Restringir a bioética nos países pobres ao campo da deontologia, sem levar em conta a realidade, não responderia, com certeza aos anseios e necessidades por mais vida digna. Pensar a bioética a partir dos pobres não é excluir a contribuição ímpar deste ramo da filosofia na atuação científica, com uma visão interdisciplinar, mas se trata de não perder a visão global da realidade excludente da América Latina, na qual a vida se insere e é tão carente de recursos da saúde.

Desta forma, pensar a bioética distintamente dos EUA e Europa é um imperativo, pois, as questões urgentes em países como o Brasil estão mais voltadas à alocação de recursos da saúde, controle de endemias e tantas outras situações de risco, que aqueles países já superaram.

Como aponta Pessini, a perspectiva bioética na América Latina e Caribe são aquelas que se relacionam com a justiça, equidade e a alocação de recursos da área da saúde. Em amplos setores da saúde não chegou à população a alta tecnologia médica e muito menos o tão almejado processo de emancipação dos doentes. A bioética tem um papel crítico em relação ao progresso técnico-científico e, imperativamente, deve ser a voz daqueles que necessitam do mínimo quando portadores de enfermidades ou na sua prevenção. Nas palavras de Barchifontaine, “fala-se muito no primeiro mundo em como morrer com dignidade, aqui devemos proclamar um viver com dignidade, pois, entre nós, a morte é precoce e injusta”.

Paulo Fernando da Silva, formado em filosofia, história, pós graduando em bioética e Presidente do Conselho do Laicato da Diocese de Prudente – publicado no Oeste Notícias em 26/11/2008

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