quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O MISTÉRIO DO NATAL

publicado no Oeste Notícias em 24 de dezembro de 2008

Em 11 de setembro de 1962, pelas ondas da rádio do Vaticano, vários bispos ouviram o papa João XXIII expor alguns temas que seriam diretrizes do Concílio, ou como preferiram chamar: pontos luminosos. Um dos pontos foi “a Igreja dos pobres”. Entretanto, o maior impacto ainda estava por vir, o cardeal arcebispo de Bolonha, Giácomo Lercaro, no final da primeira sessão, precisamente no dia 6 de dezembro de 1962, disse algo que abalou toda e qualquer perspectiva reacionária. Em suas palavras convocava o Concílio a adotar uma linha de trabalho, um eixo que orientaria as discussões e pudesse dar as respostas adequadas às necessidades. Dizia: “Esta é a hora dos pobres, dos milhões de pobres que estão por toda a terra: esta é a hora do Mistério da Igreja mãe dos pobres, esta é a hora do Mistério de Cristo no pobre”, e pediu que a temática central do Concílio fosse “o mistério de Cristo nos pobres da terra”.

Logo após o concílio, vários bispos se uniram nesse ideal de pobreza, a maioria do terceiro mundo, e renunciaram a todos os privilégios eclesiásticos, vivendo assim para os pobres, numa simbiose de fé e justiça. Dentre eles, para exemplificar, dom Hélder Câmara, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Paulo Evaristo e vários padres e religiosos/as assessores do Concílio.

Dá-se início na América Latina uma nova perspectiva de trabalho. Paulo VI no final do Concílio, dizia: “Possivelmente, nunca como durante este Concílio se havia sentido a Igreja tão impulsionada a aproximar-se da humanidade que a rodeia, para compreendê-la, servi-la e evangelizá-la em suas mesmas e rápidas transformações”. E “No rosto de cada ser humano, sobretudo se tornou transparente por suas lágrimas e dores, podemos e devemos reconhecer o rosto de Cristo”. De lá pra cá dedicam-se à criação, sistematização e execução de um trabalho pastoral, em conjunto com igrejas e grupos, denunciando as estruturas de injustiças, promovendo a vida do pobre, com dignidade e conscientizando-o de seu protagonismo. Aproximar-se da vida, como ela é, numa luta diária, tentando romper as estruturas que excluem e escravizam, é o papel não só de cristãos, mas de todas as pessoas que reconhecem no Natal o dia da Esperança.

Do lugar que estamos podemos nos armar dos verdadeiros fundamentos da vida e, como testemunhas da Esperança que jamais pode ser perdida, ver no rosto do outro, principalmente do necessitado, dentro do seu olhar, o nascimento do Cristo, menino-Deus, Emanuel, que na noite escura nos trouxe a verdadeira Luz.

Estender a mão é o mesmo que levar incenso, ouro e mirra a Jesus que nasce no estábulo. Sinal de Vida Plena e Esperança!


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

PECADO ESTRUTURAL

publicado no Oeste Notícias em 17 de dezembro de 2008

Numa sociedade cada vez mais hedonista, longe das observâncias e alheia à qualquer tipo de doutrinação, talvez, falar de pecado é algo descontextualizado. Entretanto, o conceito de pecado que aqui quero explicitar não diz respeito ao comportamento individual, mas é uma das grandes novidades introduzidas pela Teologia da Libertação. É o conceito de Pecado Estrutural. Seu objeto de análise segue critérios de cientificidade, caminha no viés das ciências sociais, com forma e objeto definidos, prescindindo, em partes, das questões morais do indivíduo.
Pouco antes do Concílio Vaticano Segundo (1962) se falou de Conceito de Pecado Social ou Dimensão Social do Pecado. Um mal causado por um grupo ou sociedade, algo realizado de forma coletiva, com conseqüências sociais. Com o advento da Teologia da Libertação esse conceito de Pecado Social foi superado pelo conceito de Pecado Estrutural. Segundo Jung Mo Sung, o Pecado Estrutural, “revelando que há estruturas sociais, econômicas, políticas ou culturais que são pecaminosas - produzem sofrimentos, opressões, o mal - pelo próprio funcionamento da sua lógica, quase que independente das intenções das pessoas envolvidas nestas estruturas”. Cometido por pessoas, porém, imposto pela estrutura pecaminosa e, mesmo contra a vontade das pessoas que o praticam, são praticados imperativamente. Para entender, como exemplifica Sung, “em uma sociedade escravista, por melhor cristão que seja o fazendeiro senhor de escravo, e por melhor que ele trate os seus escravos seguindo os bons conselhos de um bom padre ou de pastor, a relação de escravidão é má, pecaminosa. Mas, o pior é que, em uma economia escravista, este fazendeiro cristão não pode prescindir de escravos. Pois sem escravos não há produção, na medida em que não há trabalhadores assalariados neste sistema social”.
No antigo conceito de pecado que atribui ao individuo o mal causado na sociedade, parte-se da idéia que mudando o indivíduo muda-se a sociedade, mas, como mostra a Teologia da Libertação, se não forem modificadas as estruturas pecaminosas, é como “bater em ferro frio”, nada muda!
A contribuição deste conceito está no rompimento da cosmovisão naturalista de sofrimento da sociedade e na adesão a uma crítica profunda das estruturas, chegando à raiz dos problemas sociais, sem atribuí-los a pessoas individualmente, mas a estruturas de exploração e exclusão.
Com esse conceito não se quer tirar do indivíduo a responsabilidade dos males cometidos, mas identificar e combater o nascedouro das injustiças que atingem as pessoas, em sua grande maioria, os desprovidos de condições dignas e sofredores de exploração e exclusão.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A SOBERANIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

publicado no oeste notícias em 10 de dezembro de 2008


O alarde sobre a crise é imenso, obviamente é um problema que preocupa a todos, porém, outras crises acontecem há décadas e nem tocamos no mérito. Podemos citar a fome dos países africanos, as ditaduras nos países árabes, o despotismo neocolonial e neoliberal dos EUA e Inglaterra, a acumulação de riquezas e terras... Destarte, gostaria de refletir um pouco sobre a distinção de dois termos, Estado e Corpo Político, e nesse contexto situar os Movimentos Sociais, pois, de fato, exercem um papel fundamental na resolução de crises.

Desde os clássicos gregos até as grandes conquistas republicanas, o termo Estado tem ocupado um grande destaque na reflexão acadêmica e, quiçá, da práxis política. O Estado é uma parte especial da humanidade considerada como unidade organizada (Burgess, J – 1896), seu papel é o de especializar-se para atender o interesse do todo e, assim, por meio da coação, técnicos e especialistas, servir de modo instrumental a pessoa humana (Maratain, J – 1952). Em hipótese alguma o Estado, como erroneamente se pensa, pode ser parte superior do Corpo Político, pois, substancialmente composto de pessoas. Formado pelas famílias, pela tradição econômica e cultural, educativa e religiosa e com uma preocupação intrínseca com o bem comum, o Corpo Político é o detentor da soberania moral e jurídica, pois toda e qualquer instituição deve servi-lo.

Infelizmente, alvejado pelos canhões do neoliberalismo e seguido pelo FMI, Bancos e tantos outros “soberanos do capital”, o Corpo Político tem perdido força e o Estado, que deveria zelar por seu bem, tem facilitado o estupro social que passam as mais diferentes Sociedades, vendendo empresas públicas, legalizando enormes áreas de terras, alastrando a fome e as desigualdades. Existe verdadeiramente uma inversão de papéis.

Frente a isso tudo, do bojo do Corpo Político, como não poderia ser diferente, nascem os Movimentos Sociais. Estes, preocupados com a promoção dos valores éticos, morais, legais - na raiz a solicitude pela vida, a pessoa humana - é a mais coerente e clara organização que visa a luta pelos direitos e interesses do povo em geral, demonstrando a mais clara soberania: a Soberania Popular.

A priori nenhuma outra forma representa tão bem a essência da soberania do Corpo Político, pois a história já mostrou que os direitos do povo não são, nem podem ser, transferidos ou cedidos ao Estado, pois este não é pessoa moral e nem detentor de direitos. Os movimentos sociais são a mais clara voz do anseio popular e suas necessidades, devem ser ouvidos para que de fato se construa a tão sonhada democracia, num exercício verdadeiro da soberania popular.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ADVENTO: SAIR DE SI E SE ENCONTRAR

publicado no Oeste Notícias em 3 de dezembro de 2008.

O Tempo do Advento é de preparação e espera para Aquele que vem. Do latim “Adventus” chegada; do verbo “Advenire” chegar a – é o período que compreende as quatro semanas anteriores ao dia do nascimento do Cristo, o Natal. Começa com a Festa de Cristo Rei, que celebramos no dia 26 de novembro, também Dia Nacional do Cristão Leigo/a. É o período de purificação para encontrar-se adequadamente com o Deus feito Homem, Jesus Cristo, humilde menino, nascido num curral, porém Redentor da humanidade. Toda a família cristã canta num só coro o hino de clamor Marana tha, “Vem Senhor Jesus”.
Na realidade não é bem assim que se vive o Advento. No lugar do Menino Jesus está a figura pop do Papai Noel, com as mega-promoções e liquidações no comércio, seus mais diferentes atrativos e pseudo-facilidades de pagamento. É tempo de muita bebida, comida e festas, sem ao menos citar o aniversariante.
A proposta primeira do Advento é o sair de si, ir ao encontro, como os Reis Magos, do Menino que traz a libertação. Aliás, libertação tão necessária em nosso tempo. As amarras do egoísmo, da desonestidade, da mentira, da falcatrua, do consumismo, do hedonismo e tantos outros apegos que marcam tristemente nossa geração podem, com certeza, encontrar na mensagem do Cristo uma re-significação, um novo sentido de vida.
Mas, a dúvida que sempre surge está ligada justamente em como vivenciar um período tão especial de religiosidade e confraternização. Podemos afirmar que a simplicidade é o caminho, assim como foi simples a vinda de Deus ao mundo, com o maior desprovimento e desprendimento, deve também ser nosso tempo de advento, em preparação para o Natal. Existem inúmeras pessoas vivendo debaixo de uma lona de plástico, em presídios, asilos, moradias precárias e também na rua, assim será o Natal delas: sem o mínimo. Interessante notar que isso acontece aqui na nossa cidade e região. A mais coerente atitude cristã é o sair de si e encontrar-se com o necessitado, num ato de amor, desprendido e desinteressado.
A opção preferencial pelos pobres é o caminho mais acertado para entender a lógica divina de fazer-Se homem. Quando saímos do cristianismo super-star, pop e pós-moderno e mergulhamos naquilo que é próprio da nossa realidade, nosso chão da vida, entendemos, sem demoras, que o projeto divino, proclamado pela boca do Verbo, evoca Justiça, Amor e Paz! Encontrar-se com o irmão desamparado é encontrar-se com o Menino-Jesus que nasce para nos libertar: “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber (...) estive nu e me vestistes” Mt 25, 35-37.